A cultura japonesa está massificada através de incontáveis filmes. Há toda uma magia por trás dessa cultura que tem nos Samurais o seu maior e mais admirado expoente. Muitas obras (inclusive na literatura, teatro, rádio e outras mídias) foram produzidas para falar desses homens cujo código moral, o Bushido, está em prática até os dias atuais.
E foi no ano de 2014 que o longa-metragem 47 Ronins (no original, 47 Ronin) foi lançado. Com um elenco majoritariamente nipônico, com poucas exceções que incluem o ator Keanu Reeves, o filme é baseado na história real dos 47 Ronins (samurais sem um Shogun) que se agrupam para vingar a morte de seu senhor.
Antes de prosseguirmos, vamos ao trailer…
Claro que um review feito por mim jamais ficará sem aquele “acréscimo” que deixa o texto ainda mais legal. Assim, vocês sabiam que 47 Ronins não é o primeiro filme com esse título? Na verdade, o primeiro longa a ter esse título – mais especificamente The 47 Ronin -, também inspirado na história real, foi lançado em 1941, dirigido por Mizoguchi Kenji e teve seu elenco constituído apenas por japoneses.
Outro fato interessante consiste da veracidade desta trama. Os 47 ronins existiram e trilharam um caminho árduo e sangrento. Claro que não há relatos de uma bruxa, mas o respeito à memória de seu senhor e a dedicação incansável para vingar a morte dele são fatos lendários que engrandecem a história do Japão e sua cultura.
Para que tenham uma breve ideia da importância desse fato histórico, basta dizer que até hoje os túmulos dos samurais são visitados em honra à inesquecível história de homens cujos atos de lealdade ficaram registrados no inconsciente popular japonês.
Vejam o vídeo do local onde estão enterrados os restos mortais desses guerreiros.
Certo. Agora que estão cientes da importância dessa história para o povo japonês, assim como também sabem da veracidade do respeito e do esforço para honrar seu senhor por parte dos ronins, vamos à explicação sobre aquilo que trata o longa-metragem 47 Ronins.
Fantasia e história.
47 Ronins é obviamente a transposição da lendária história para o cinema. Entretanto, um elemento adicional está presente nessa trama, a fantasia. Esse elemento existe para duas finalidades óbvias: dar uma dinâmica diferente à história com o intuito de cooptar um público que goste do gênero e, provavelmente, justificar a inclusão de um elemento ocidental (a presença da personagem de Keanu Reeves, Kai) ao agrupamento de samurais.
É nítido o apelo do gênero fantasia na Sétima Arte. Isso fica ainda mais fácil de ver quando analisamos obras de sucesso recentes: os filmes da Marvel e DC, o Senhor dos Anéis, Raya e o último dragão, etc. É inegável a força desse gênero junto ao grande público desde o surgimento dos filmes cinematográficos.
Assim, com um dos primeiros pontos de apoio estabelecido, a fantasia, os roteiristas Chris Morgan e Hossein Amini adentraram na pesquisa histórica para garantir o máximo de fidelidade possível ao relato dos homens que buscaram a justiça e a honra de seu senhor.
O roteiro é muito bem elaborado ao encontramos versões condizentes das personagens históricas presentes no filme, assim como uma boa representação da cultura samurai e dos rígido código de honra. Houve a preocupação de situar a trama e todos os elementos presentes nela de forma que, essencialmente, a história original estivesse presente, ainda que elementos mitológicos fossem acrescidos para criar uma aura fantástica na obra.
Historicamente, a presença do código de honra (Bushido), o respeito ao Daymio, os rituais de Seppuku, as vestimentas e a imponência da época em que a trama se desenrola são perfeitos. O simples fato de termos um elenco majoritariamente japonês mostra a preocupação em expor essa parte da história com o máximo de fidelidade possível, mesmo se tratando de um filme com elementos de fantasia.
Cabe relembrar que a trama se passa no século XVIII, aproximadamente entre os anos de 1701 e 1703, mas com a data do ataque a Kira apontada como 14 de dezembro de 1702.
Locações, fotografia e
efeitos visuais.
Recriar o Japão do século XVIII foi uma tarefa hercúlea, mesmo com o uso das atuais tecnologias de computação gráfica e o uso de Chroma Key. A grandiosidade de 47 Ronins está no fato de terem a preocupação em recriar boa parte dos cenários e locais em grande escala. Mesmo repleto de efeitos visuais, a equipe técnica buscou a primazia na fotografia, efeitos sonoros, grande número de figurantes, uma equipe de dublês competente e na reprodução de figurinos de época.
Talvez você não tenha reparado em todos esses detalhes, porém o fato é que eles estão lá, demandaram um longo tempo e uma equipe gigantesca de profissionais de todas as áreas para recriar não apenas um pouco do Japão, mas também um dos mais respeitados feitos da cultura deles. Foi preciso atentar para a responsabilidade de recriar um dos mais marcantes e honrados momentos da história do Japão e da cultura dos Samurais.
O vídeo abaixo mostra uma parcela do trabalho dispendido para que nós, espectadores, tivéssemos a oportunidade de reviver a saga dos 47 Ronins.
Comparações.
Alguns espectadores poderão encontrar similaridades com outros filmes, como Dança com Lobos e O Último Samurai, o que se deve à presença da personagem de Keanu Reeves, Kai, como o elemento estrangeiro que precisa se adaptar à cultura em que é inserido. Entretanto, fora esse elemento similar, 47 Ronins não é um filmes sobre um estrangeiro em terras estranhas; é, na verdade, um filme sobre um grupo que supera preconceitos, medos e raiva para honrar a memória de um líder. Kai é um elemento adicional que justificará a equiparação de forças entre o bem e o mal.
Lições.
Alguns filmes se destacam por conta dos efeitos visuais, da indumentária, das locações, do elenco e muitos outros fatores. Entretanto, apesar de 47 Ronins ter todos esses destaques, o mais pertinente elemento da trama está na retomada, no destaque da importância da valorização da honra.
Os samurais foram guiados por um rígido código de honra, tão forte que as falhas poderiam levar um desses guerreiros ao seppuku (o suicídio honroso). A cultura e os ensinamentos destes homens destemidos ultrapassou os séculos, ainda está presente nos dias atuais na cultura japonesa.
Para melhor esclarecer, basta que tenhamos em mente que para uma maioria da população japonesa a desonra é um crime capaz de macular não apenas o indivíduo responsável como também sua própria família. Assim sendo, não é incomum que alguns apliquem a si mesmos o seppuku, mesmo nos dias de hoje, para que a honra seja preservada. Óbvio que o seppuku em questão não se vale dos mesmo métodos, porém é fato que há muitos suicídios no Japão, sendo muitos provocados pelo desejo de não desonrar a família.
Claro que a prática do suicídio é um ato extremo, capaz de deixar sequelas para os familiares e amigos que ficam. Não questionarei as decisões dos que optaram por essa saída, porém o relevante nisso é que, infelizmente, as pessoas que ficam são as que “abraçam” a dor da perda e, em alguns casos, a culpa pelo ato da pessoa que suicidou.
Contudo há outras lições importantes na trama do filme. O respeito aos vínculos familiares, a dedicação e compromisso aos trabalhos, o valor da palavra empenhada, o reconhecimento do próprio erro, o acatamento dos resultados das próprias ações, entre outras pertinentes lições.
Elenco.
Como já disse, o elenco deste longa-metragem é praticamente todo japonês, decisão tomada em função do fato ter se passado no Japão do século XVIII.
Entre os destaques deste grandioso elenco estão nomes como Hiroyuki Sanada (atualmente no longa Mortal Kombat como o Scorpion), Keanu Reeves (de volta com John Wick 4 e Matrix 4), Rinko Kikuchi (Círculo de Fogo), Tadanobu Asano (Mortal Kombat – Raiden), Kou Shibasaki (Battle Royale), Cary-Hiroyuki Tagawa (o Shang-Tsung do primeiro live action de Mortal Kombat), entre outros.
Curiosidades.
O longa-metragem teve boa parte de seus cenários construídos digitalmente. Entretanto, belas locações foram construídas para dar maior veracidade, além do uso de uma grande quantidade de figurantes.
Um dos vilões da trama é um gigantesco samurai que jamais revela o rosto. Ele foi interpretado pelo ator e ex-jogador de basquete Neil Fingleton. O ator também deu vida a Mag, o Poderoso, da série Game of Thrones, entre outros papéis. Neil faleceu em fevereiro de 2017.
Nota final.
A consagrada fórmula da Jornada do Herói está presente na trama de 47 Ronin, mas é preciso destacar que esse não é um filme onde a presença de um superstar – no caso Keanu Reeves – faça com que a trama seja toda voltada ao papel por ele interpretado. Há um destaque óbvio para Kai, assim como algumas outras personagens ganham vulto conforme a trama se desenrola.
Percebi uma distribuição justa de todos os principais papéis ao longo do filme, algo muito positivo presente no roteiro. De forma gradual e impactante, as relações familiares e as amizades vão sendo expostas ao público espectador de forma que este se sinta mais próximo do grupo de ronins.
A abordagem sobre o passado de Kai foi empregada de forma coerente e deu sustentação para a presença da bruxa Mizuki (Rinko Kikuchi) na história. Apesar do potencial sobrehumano de Kai, este não é posto acima de nenhum outro ronin durante a maior parte do filme.
A direção de Carl Rinsch trouxe consistência a uma narrativa difícil de ser transposta do campo das ideias para as telas, entregando-nos uma obra agradável e bem elaborada.
Por fim, 47 Ronins é um filme que tem uma missão maior: despertar o interesse do grande público para uma história atemporal, repleta de lições sobre honra, respeito e perseverança, além de trazer à tona uma parte da cultura japonesa.
Espero que tenham gostado desse post. Deixem seus comentários, sugestões e críticas. Caso ainda não conheçam nosso trabalho na íntegra, temos nosso Instagram @classenerd e o canal youtube.com/classenerd. Muito mais publicações aguardam vocês por lá.