Após mais de uma década de lançamentos anuais do gênero, é possível que todos estejam familiarizados com o conceito de remake live-action. Em seu conceito para o cinema, trata-se de uma adaptação de histórias em quadrinhos, animações, livros e até mesmo jogos de videogame em filmes ou séries com atores de carne e osso. Filmes como Os Flintstones, Harry Potter e Resident Evil são bons exemplos de live-actions lançados nas telonas.
Alguns desses filmes também possibilitam a interação de atores reais junto a animações, como aconteceu em Uma Cilada para Roger Rabbit, Space Jam e até mesmo Mary Poppins, de 1964, estrelado por Julie Andrews.
Com o lançamento de Alice no País das Maravilhas em 2010, que angariou US$ 1 bilhão em bilheteria, a Walt Disney Studios vem investindo cada vez mais no formato, transformando algumas de suas animações mais clássicas em longas com atores reais. Considerando que a grande maioria desses longas foram feitos em décadas distantes, faz sentido que a empresa busque modernizar suas histórias, conquistando uma nova legião de fãs e cativando os mais antigos através da nostalgia. Desde então, vimos A Bela e a Fera, Aladdin e Cruella indo para os cinemas, enquanto produções menores e de menor orçamento como Pinóquio e Peter Pan sendo lançadas diretamente em streaming, no Disney+.
Em 2016, em meio a lançamentos de sucessos como Cinderela e Mogli: O Menino Lobo, o Deadline anunciou que a Disney estava iniciando o desenvolvimento para a adaptação de um de seus sucessos do final dos anos 80, o live-action de A Pequena Sereia, a história da princesa de Atlântida que, no ímpeto de viver fora do mar, faz um acordo com uma terrível bruxa e, em troca de sua voz encantadora, ganha um par de pernas e a possibilidade de viver um romance durante três dias. A história é uma adaptação do livro homônimo de Hans Christian Andersen. No mesmo ano, Lin-Manuel Miranda, que anos mais tarde estouraria com a animação Encanto, foi anunciado como co-produtor do filme ao lado de Marc Platt. Rob Marshall, conhecido por filmes como Memórias de uma Gueixa, Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas e o remake de Mary Poppins, foi anunciado como diretor do longa no ano seguinte.
A expectativa para uma adaptação de A Pequena Sereia era grande, uma vez que o longa segurou por um tempo o título de animação mais lucrativa do estúdio desde a morte de Walt Disney, abocanhando US $84 milhões apenas nos Estados Unidos. Atualmente, durante a era das bilheterias que ultrapassam a marca do bilhão isso parece pouco, mas para a época, foi um grande sucesso. Além dos ganhos em bilheteria, a sereia também se tornou uma mina de ouro em material de merchandising, como bonecas, fantasias, cadernos, entre outros.
O primeiro teaser da adaptação pôde ser visto pela primeira vez em setembro de 2022 nas redes sociais do estúdio e em um intervalo de oito meses até seu lançamento, o longa sofreu diversas críticas, que vão desde a fotografia escura presente nos trailers até o ultra realismo de personagens queridos como o peixe Linguado (Jacob Tremblay – O Quarto de Jack) ou do siri Sebastião (Daveed Diggs – Soul). O que pode ser visto como algo prejudicial para o estúdio, possivelmente se tornou seu maior trunfo.
Desde o lançamento da sequência de Avatar, com grande parte de sua história se passando debaixo d’água e recebendo inúmeros elogios da crítica e público, o longa dos Na’vi se tornou o principal ponto de referência para qualquer filme com temática subaquática, seja Aquaman: O Reino Perdido ou A Pequena Sereia. E foi graças às críticas feitas ao material promocional que a equipe do pós-produção pôde melhorar os efeitos especiais trazendo um resultado satisfatório na maioria de suas cenas.
A Pequena Sereia traz a mesma história da animação de 1989, porém se aventurou ao buscar novas abordagens para os personagens, enriquecendo ainda a narrativa dos personagens, seus objetivos e relacionamentos. Ignorando todas as críticas que recebeu desde seu anúncio em 2019, a atriz Halle Bailey prova ter sido a melhor escolha para interpretar a protagonista. Mesmo nas cenas em que Ariel está sem voz, a jovem traz em seu olhar a doçura e curiosidade necessários à personagem, além de um talento vocal inegável nas cenas cantadas. Sua química com Jonah Hauer-King, o príncipe Eric, é inexplicável. O trabalho dos dois jovens atores em conjunto com as novas escolhas narrativas foram excepcionais para construir esse romance de forma tão natural e genuína. As ambições dos dois se entrelaçam e criam um casal poderoso que te faz torcer por eles durante o filme inteiro.
Como Úrsula, Melissa McCarthy (Nine Perfect Strangers) surpreende. A atriz conhecida por seus papéis na comédia faz uma personagem divertida e assustadora, trazendo em sua atuação os trejeitos e maneirismos da bruxa do mar. Com isso, a atriz cumpre seu papel de vilã, sem deixar de lado seu alívio cômico e sarcástico.
Se o realismo dos nos pôsteres promocionais do filme causou algum tipo de desconforto ao público, o longa consegue deixar esse estranhamento de lado, mantendo a personalidade de cada um dos personagens ao mesmo tempo que trazem um acertado alívio cômico na relação entre Sebastião e Sabidão, que ganhou a voz de Awkwafina (Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis). Ainda que não tenham recebido traços cartunescos como os vistos em Pinóquio, os sidekicks esbanjam carisma, ditam o tom em diversas cenas e são responsáveis pelas risadas ao longo dos 135 minutos de história.
Os números musicais são outro ponto alto do filme. Ainda que não consigam manter a magia da animação, a Disney acertou em trazer Alan Menken, o responsável pela trilha sonora original, de volta para essa adaptação. Esqueça uma Emma Watson apática enquanto ouve os objetos encantados cantarem “Be Our Guest”. Aqui, todos os atores fizeram um excelente trabalho na execução dos clipes e deram um show na nova trilha sonora que você pode ouvir aqui.
Elogios à parte, as canções originais enriquecem o resultado final, em especial as inéditas “For The First Time”, na voz de Halle Bailey, que narra as experiências de Ariel ao chegar em terra firme e “Wild Uncovered Waters”, interpretada por Jonah Hauer-King .
Ainda que no modo geral o resultado seja satisfatório, o live-action sofre do mesmo mal que seus antecessores: seu desfecho. Animações mais antigas da Disney costumam ter pouco mais que 60 minutos de duração, tornando necessário que a história fosse concluída nos 10 ou 15 minutos finais. No entanto, quando elas são adaptadas, é comum que o estúdio aumente essa duração total, muitas vezes duplicando-a. Ainda que seja possível explorar terrenos que foram deixados de lado na obra original e acrescentar elementos para enriquecer a trama, é comum ver que mesmo com todo esse tempo extra, eles optem por manter a duração original durante o desfecho, deixando a narrativa do terceiro ato corrida em comparação ao restante do longa. E se a pós-produção investiu em melhorias na iluminação e efeitos especiais do longa, o desfecho parece ter sido esquecido, mantendo-se escuro e difícil de enxergar.
Além do desfecho, a falta de presença e aprofundamento de alguns personagens também se torna um dos pontos baixos. Nessa adaptação, as irmãs de Ariel ganharam novos nomes, receberam um visual lindo, cheio de personalidade, mas foram deixadas de lado no corte final do diretor, nos fazendo questionar se faria diferença elas estarem ou não no filme.
Os fãs da animação podem ficar tranquilo tranquilos! A Pequena Sereia é um quentinho no coração, faz uma bela homenagem à animação ao manter a essência e os momentos mais memoráveis do original mesmo tempo que traz um frescor e ineditismo para a história. O longa consegue ser divertido, engraçado e mantém seu ritmo do início ao fim. As cenas subaquáticas são visualmente bem feitas, encantadoras e faz você se sentir dentro do mar. Com estreia maracada para 25 de maio, o filme possui todos os elementos necessários para se tornar a melhor adaptação live-action desde Aladdin.