Quem acompanha meus trabalhos pelos outros sites onde escrevi e até mesmo pelas redes sociais sabe que, indubitavelmente, eu sou um fã de Zack Snyder. Seja pela qualidade gráfica, os roteiros interessantes ou a ousadia em suas adaptações, a verdade é que Zack é um diretor cuja visão criou – em tese – dois grupos de pessoas: as que odeiam seus filmes e as que os amam.
Como já citei, sou um fã de suas obras. Mas ser fã não implica em fechar os olhos para os erros de seu trabalho. Ele é um homem comum que, tal como nós, pode fazer escolhas equivocadas. Assim, com essa pequena apresentação sombria, preciso afirmar que Army of The Dead: Invasão em Las Vegas está longe de ser seu melhor filme. Entretanto, não abandonem a leitura deste post, pois tenho sérios motivos para crer que algo, em um futuro breve, surgirá para corrigir as lacunas deixadas nesse novo longa-metragem do diretor de Liga da Justiça – Snyder Cut, Watchmen, Madrugada dos Mortos e outros ótimos filmes. I still believe in Zack Snyder!
O que é Army of the Dead – Invasão em Las Vegas?
A trama é bem simples e mostra como Las Vegas foi transformada em território zumbi. Na história, um grupo de militares transporta uma carga desconhecida que acidentalmente é libertada. Apesar dos esforços, os militares não conseguem conter a criatura – que mais tarde conheceremos por Zeus (interpretado por
Richard Cetrone) -, um zumbi com força descomunal, rápido, inteligente e capaz de criar novos zumbis em segundos. Em suma: a tragédia está com seu palco pronto.
A partir daí nós somos apresentados a uma série de cenas que marcarão as mentes dos espectadores. As cenas contam como Scott Ward (Dave Bautista) e sua equipe salvam um “figurão” das Forças Armadas, além de outras pessoas comuns. Essas cenas iniciais são, para mim, o ponto alto da trama no quesito “ação”. Mas não se resume a isso…
A trilha sonora, o correto uso de cenas em slow motion, a própria história contada nesse pequeno pedaço do filme dão, em sua totalidade, uma alta expectativa sobre a obra que já conta com a aval da direção e do roteiro feitos por ninguém menos que o próprio Zack Snyder.
Como um fã das obras de Snyder, não pude deixar de ver as semelhanças entre essas cenas e a antológica morte do Comediante em Watchmen.
Antes de prosseguirmos, vamos ao trailer legandado:
Army of the Dead não possui um roteiro impactante. A trama consiste, de forma sumária, em uma equipe de paramilitares que entram em uma zona de quarentena para roubar uma fortuna. Claro, todos têm suas motivações, porém isso é pouco explorado, algo que me incomodou demais, ainda que eu saiba que haverá um “antes e depois” por meio de uma série e até um prequel.
E o fato de o espectador saber que haverá essas novas obras baseadas no universo criado no filme (que, aliás, não está interligado a Madrugada dos Mortos), ajuda a compreender melhor o que se passa? Não, infelizmente.
A questão é: Zack Snyder fez isso de propósito ou houve um surto que provocou alguns esquecimentos sobre a arte de fazer um filme? Vamos prosseguir para tentar encontrar essa difícil resposta.
SPOILERS!!!!!!
Não posso prosseguir com a análise sem que alguns spoilers sejam abordados. Portanto, fica aqui minha notificação: se você não viu o filme e pretende vê-lo, pare a leitura a partir daqui, assista e volta para descobrir se concorda com minha análise.
Zack Snyder trouxe ótimas ideias para Army of the Dead. A criação de um verdadeiro exército de zumbis, inteligentes e comandados por um zumbi com força sobrenatural é um dos exemplos. Há grande potencial nessa história que, infelizmente, deixou uma quantidade enorme de furos de roteiro que incomodam até mesmo o mais dedicado fã das obras de Snyder.
Querem exemplos?
A linha temporal do filme é muito acelerada. O zumbi “master” aparece nas primeiras cenas com um corte de cabelo militar. Em sua próxima aparição, não sabemos quanto tempo depois (mas parece ter passado um longo período), o monstro está com o cabelo comprido. Isso não incomoda, mas é fato que essa transição tem potencial para confundir o espectador.
A cidade ainda tem um campo de refugiados ao lado da zona de contaminação. Esses refugiados permaneceram muito tempo próximos aos zumbis e não consegui compreender a lógica por trás de pessoas presas em um campo, passíveis de um ataque generalizado dos monstros. Não vi uma explicação à altura, exceto o fato de que alguns desses sobreviventes invadem a zona de contágio e se arriscam para roubar dinheiro (quer lugar mais bacana para conseguir dinheiro do que Las Vegas?). E por falar em roubo, esse é o ponto capaz de reunir o grupo de mercenários liderados por Scott, um cofre com centenas de milhões de dólares.
Em algumas passagens do longa é possível ver que há zumbis robotizados. Essas máquinas surgem no filme sem explicação alguma, talvez em prol de um prequel ou sequência do longa, onde essa história será explicada. Zack chegou a citar as máquinas como “espiões” infiltrados na horda, entre outras hipóteses. Entretanto, um fato curioso está na presença de dois OVNIs na saída da área de onde Zeus foi removido. A confirmação de que são OVNIs está no desaparecimento dos dois pontos luminosos a uma velocidade impossível para uma nave terráquea.
A origem do zumbi mestre é desconhecida e muitas teorias surgem. Desde um humano contaminado por algo alienígena (afinal, o comboio parte, no início, da famosa Área 51) até uma praga gerada em laboratório, sendo possível a hipótese de ser uma arma biológica usada para a guerra. Seja como for, não há nada sobre ele que esclareça a questão. Há alguns indícios de que ele tenha sido um militar, incluindo o corte de cabelo e o uso de plaqueta de identificação.
Por fim, a presença de uma rainha zumbi grávida foi uma grande surpresa. Ficamos durante algum tempo com dúvida acerca dessa gravidez: ela estava grávida antes de ser zumbificada ou Zeus a engravidou? A resposta a essa questão está na cor do sangue dela, de Zeus e do feto.
Os zumbis agem como animais que seguem um líder (por isso a denominação “Alfa” para Zeus) e têm uma escala de importância e força que segue uma lógica parecida com a dos vampiros onde a maior proximidade do transmissor é fator de poder. No filme, os zumbis lentos, os Trôpegos, têm poder de contaminação apenas para criar outros Trôpegos. Já os Alfas podem criar novos Alfas que terão mais força e agilidade conforme estejam próximos do vetor contaminante Zeus.
Os Campos de Detentos são algo também pouco coerente. O que levou o governo a manter por meses tantas pessoas próximas aos zumbis, sujeitos a um ataque de Alfas? Isso também levou ao questionamento sobre a demora na remoção dos vivos e, claro, a destruição dos mortos-vivos. Essa “contenção” seria alvo – nos tempos atuais – de acusações sobre a irresponsabilidade de uma provável pandemia de zumbis, tal como foi acusada a China por não ter divulgado rapidamente o contágio pelo Coronavírus.
Elenco e atuações.
Para um filme de zumbis e ação, a verdade é que temos atuações muito consistentes ao longo do filme. No elenco estão Dave Bautista (Scott Ward), Ella Purnell (Kate Ward), Tig Notaro (Peters), Ana de La Reguera (Maria Cruz), Matthias Schweighöfer (Ludwig Dieter), Huma Qureshi (Geeta), Hiroyuki Sanada (Tanaka), Omari Hardwick (Vanderohe), Nora Arnezeder (Lily), Garret Dillahunt (Martin), Theo Rossi (Cummings), Samantha Jo (Chambers), Raúl Castillo (Mikey Guzman) e grande elenco.
Todo o destaque para a atuação de Tig Notaro que precisou atuar sozinha e ser inserida digitalmente no filme. Essa situação ocorreu por causa de denúncias contra o comediante Chris D’Elia que faria o papel do piloto Peters. No documentário sobre o filme, vocês poderão ver os detalhes e a enormidade de trabalho dispendido para tornar a presença de Tig verossímil.
Eu, honestamente, não percebi nada e é muito provável que jamais descobriria se não houvesse uma gama de notícias sobre a substituição, além do próprio documentário do filme.
Algumas referências…
Na verdade, o filme tem muitas referências. A conversa entre o motorista do comboio e seu amigo apresenta inúmeras referências a artefatos históricos ou fictícios como: uma bomba atômica, o cajado do deus Rá, o Pé-Grande, alienígenas e até a constituição original dos EUA.
Em outra parte é possível ver o quanto o dinheiro pode tirar as pessoas da realidade, uma vez que muitos estão sendo mortos ao redor, enquanto a preocupação dos jogadores é apenas o dinheiro e a luxúria.
Passamos para a convocação da equipe de Scott e a reunião para os acertos da invasão à cidade isolada. Nesta reunião, o sr. Tanaka (Hiroyuki Sanada) apresenta os planos e uma maquete do edifício onde está a fortuna. Essa maquete é muito similar àquelas vistas em La Casa de Papel, também da Netflix.
Vale citar também a cena do helicóptero ao pôr-do-sol, uma clara alusão ao filme Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola.
Há muitas outras referências e curiosidades embutidas no longa-metragem. Tigre-zumbi, bebê-zumbi, Alfas que são zumbis evoluídos, fortes e inteligentes, armadilhas que lembram os filmes do Indiana Jones, cenas onde Zeus tem um gestual parecido com o do general Urko – do clássico Planeta dos Macacos -, a hibernação de alguns Trôpegos (algo bem próximo ao visto em Eu sou a Lenda), teorias sobre viagem no tempo, o visual parecido entre Chambers (Samantha Jo) e a soldado Vasquez de Aliens, o Resgate e até o confronto entre Zeus e Vanderohe (Omari Hardwick) que remete à passagem bíblica que diz: Eu sou o Alfa e o Ômega. Destaque para a cena final onde incluíram a canção “Zombie”, da banda The Cranberries, imortalizada na linda voz de Dolores O´Riordan.
Algumas inconsistências e lacunas deixaram o filme menos atraente. Como exemplos, cito o fato de explicitarem que os Trôpegos esqueléticos e secos poderiam voltar à “vida” com uma simples chuva (isso não é visto, porém fica fixo na mente do espectador); outro ponto, dessa vez fraco na trama, é o fato de vermos Zeus se mover a cavalo com mais velocidade do que um helicóptero.
Efeitos visuais, maquiagem e fotografia.
Independentemente do roteiro e da montagem confusos, o filme é impecável visualmente. A fotografia é linda, há um enorme esforço em maquiagem e figurino, além do uso de efeitos visuais excelentes. Isso tudo pode ser visto detalhadamente no documentário Nos Bastidores de Army of the Dead, também disponível pela Netflix.
O longa tem um aparato tecnológico inacreditável, o elenco é bom, há cenas memoráveis e conta com o nome de Zack Snyder à frente de todo o projeto, porém peca ao não entregar uma filme de terror, uma obra capaz de impactar o público. Isso, infelizmente, pode comprometer o sucesso das produções derivadas do longa-metragem, algo que só o tempo dirá.
Snyder trouxe a nós um filme de zumbis com uma infinidade de nuances que, devidamente organizadas e apresentadas de forma gradual, trariam ao espectador um universo renovado e propenso à expansão, um novo alento para a temática do terror que é a mitologia dos zumbis.
Ao optar por um filme que oscila entre gêneros sem se definir, fãs dos filmes de ação, terror e aqueles com temas sobre grandes roubos ficarão, sem dúvidas, confusos sobre o que realmente viram. É, enfim, um filme bom, cheio de potencial e que não entrega a totalidade daquilo que o espectador gostaria. Há como corrigir isso? Claro, desde que o planejamento seja melhor arquitetado. Zack corrigiu um Liga da Justiça que foi motivo de piadas por anos. Logo, tenho plena certeza que o futuro de Army of The Dead pode ser também acertado. Como disse no início do post: I still believe in Zack Snyder.