Shang-Chi é um personagem da Marvel cuja criação pegou o “gancho” da fama do mestre das artes marciais, Bruce Lee. Não à toa, o personagem começou sua carreira com o visual praticamente idêntico ao que ficou marcado na carreira do ator: calça e peito nu. Outro detalhe interessante está no fato de que Shang-Chi, inicialmente, lutava invariavelmente com os pés descalços. Seu codinome, Mestre do Kung Fu, obviamente, se deve ao sucesso do já citado Bruce Lee e seus filmes, assim como ao seriado clássico da década de 70, Kung Fu, com o saudoso ator David Carradine (que foi o vilão em Kill Bill).
Diante de uma nova fase no MCU (expandido para as séries e animações), Kevin Feige e todos os demais responsáveis pelas produções que deram à Marvel uma década de sucessos no cinema estão diante da difícil tarefa de incluir nesse universo um herói oriental que fuja do estereótipo do simples lutador e que não dê a impressão de ser caricato para os chineses e outros povos representados. Em suma, mais do que a simples inclusão de um oriental, está a difícil tarefa de agradar um dos maiores públicos de cinema do mundo, o chinês.
Receios.
A obra tem um tom leve em grande parte de sua projeção, fato devido – em parte – à atuação da fantástica Awkwafina. Ela é Katy, a melhor amiga de Shang-Chi que, inicialmente se apresenta como Shaun. A discussão dos dois sobre o nome real e o nome que ele usou é simples e genial.
Mas é justamente pela inclusão de um tom mais leve e também por amenizar as motivações dos vilões que eu me preocupei com o resultado final de Shang-Chi. Entendam: hoje há uma indiscutível influência da China em todos os setores no mundo. A Marvel teria que ser respeitosa na abordagem de tais personagens (uma vez que o cinema americano escolhe seus vilões de acordo com o contexto político da época) e isso tende a minimizar o potencial destrutivo do antagonista, chegando, em alguns casos, a trazer um vilão raso e sem motivação. Não se preocupem, o Mandarim (Tony Leung Chiu-Wai) deste filme é bem mais letal que o de Ben Kingsley em Iron Man 3, porém está claro que o deixaram mais próximo de um homem triste e marcado por uma perda do que a tradicional versão de um chefe mafioso e impiedoso, responsável por incontáveis mortes ao longo de mais de um milênio.
O segundo receio estava no uso inadequado do humor. Sim, meus amigos, este novo filme tem uma dose grande de humor, porém não chega a banalizar as personagens a ponto de termos um herói abobalhado como o Hulk visto em Thor: Ragnarok (um dos piores filmes da Marvel por seu descaso com o teor dramático e o uso exacerbado do humor). Em suma, o humor está muito bem empregado e mostra uma interação perfeita entre os atores Simu Liu (Shang-Chi) e Awkwafina (Katy).
Afinal, o que são
os “Dez Anéis”?
Armas de poder colossal, os dez anéis são representados neste filme como braceletes, algo bem diferente do visto nos quadrinhos de posse do Mandarim. Os anéis são armas com características diferentes e que conferem ao portador capacidades que o elevam ao patamar de qualquer um dos mais poderosos dos Vingadores, por exemplo.
No entanto, no filme há uma versão diferente dos anéis, usados desta vez como braceletes e com apenas uma parcela de seus poderes mostrados. Eu creio que a versão “braceletes” permanecerá, visto que estão com este aspecto há milênios, e também acredito que o futuro reservará a revelação dos demais poderes dos anéis. Seja como for, o uso deles nesta obra foi mostrado com muitos detalhes e aplicado para que realmente fosse pertinente ao desenvolvimento da trama e do próprio Shang-Chi (isso sem falar que o tamanho deles pode ser variável, conforme mostrado quando manipulados pelo pai de Shang).
Não vou abordar mais sobre os mesmos para evitar os famigerados spoilers. Deixo, todavia, um vídeo do Douglas Tonelli para que façam suas próprias versões dessas armas de imenso poder.
Vilões coadjuvantes.
Dois vilões tradicionais dos quadrinhos estão presentes: o Executor (Razor Fist no filme) e Death Dealer. O Executor é um vilão que já deu muito trabalho para Shang-Chi; sua principal característica está nos punhos substituídos por lâminas, mas nessa versão ele só tem um dos punhos com lâmina que só aparece quando ele necessita, tal como a armadura nano robótica de Tony Stark, guardadas as devidas proporções. Para o papel de Razor Fist foi escalado o ator e boxeador Florian Munteanu, o filho de Ivan Drago no filme Creed II.
Death Dealer é outro vilão que também está aliado e subordinado ao pai de Shang-Chi. Interpretado por Andy Le, a personagem tem participação em algumas cenas de ação e é responsável pelo treinamento (e castigo) de Shang em sua infância/juventude.
A trama básica.
O fio condutor da trama está nos vínculos familiares, o passado de Shang e a amizade entre ele e Katy. Cada uma dessas vertentes é bem explorada no filme (sem a necessidade de flashback quanto à amizade) e as três foram bem entrelaçadas no decorrer do longa-metragem.
Basicamente temos um filme de apresentação de uma personagem (e seus elementos de ligação) onde a amizade e a família são os pontos de debate principais. Um outro elemento de vital importância é o respeito às tradições milenares que são o pilar de uma nação. Também é destacada a pertinência da perseverança e a busca pelo potencial escondido, uma crítica explícita a uma geração que abandona sonhos e metas com uma facilidade surpreendente, motivada pelos mais banais motivos.
Claro que o foco narrativo está na luta pela ascensão de um novo herói (uma verdadeira Jornada do Herói) e o confronto entre o passado e o presente para decidir quem é realmente “digno” de portar os Dez Anéis, uma batalha que começou na infância de Shang e culminará na luta contra o seu pai, Xu Wenwu.
No decorrer da obra, amizades serão feitas, segredos revelados e um novo mistério para o MCU será posto em jogo.
Alguns coadjuvantes.
Para interligar a história do filme com o passado do MCU, nada melhor do que incluir personagens que já estiveram em outros filmes. Sendo assim, o roteiro de Dave Callaham e a direção de Destin Daniel Cretton incluíram alguns coadjuvantes de luxo como o Abominável (Tim Roth) e Wong (Benedict Wong), além de duas surpresas em uma das cenas pós-créditos (são duas, deixo avisado).
Efeitos visuais.
O filme é uma obra cuja utilização dos efeitos visuais está muito bem feita. Desde as cenas de ação até chegarmos às criaturas fantásticas da trama, tudo ficou muito convincente.
Esses efeitos serviram para dar consistência ao poder dos Dez Anéis, apresentaram seres que mantêm o padrão Marvel de qualidade e ajudaram, obviamente, na condução da narrativa. Em suma, não encontrei pontos negativos nesse quesito. Quanto à fotografia e outros aspectos que podem prejudicar uma produção cinematográfica, fiquem calmos pois tudo está muito bem produzido.
Mitologia.
Apesar de já ter citado que há uma grande ligação com a mitologia chinesa, é válido destacar que as representações temporais, os figurinos e cenografia foram suficientes para auxiliar na condução do roteiro. Por sua vez, o roteiro abre um bom espaço para incluir elementos da mitologia da China, ainda que os espectadores menos atentos não se deem conta de todos eles.
Como visto no trailer, existe um grande dragão e há passagens onde o passado do Mandarim (ou Xu Wenwu) é mostrado. Outros elementos fantásticos foram inseridos (com muito zelo no CGI) e, entre eles, há alguns que destacam a presença de uma dimensão paralela com seres que fazem jus ao Cthulhu de Lovecraft.
Conexão com o MCU e as séries.
A Marvel fez questão de mostrar que tudo, inclusive os filmes que antecedem Homem de Ferro 1 estão conectados. Mas atualmente isso ganhou destaque com as séries do Disney+ que fazem referências das mais variadas aos filmes das fases anteriores do MCU, além de incorporarem elementos destes às tramas para que o espectador não sinta a transição que já está ocorrendo no universo cinematográfico da Marvel.
Shang-Chi e a lenda dos Dez Anéis também tem muitas conexões com os fatos anteriores de outros filmes. Já citamos a presença de Wong e do Abominável (o vilão de , mas há outras referências como o Blip (o desaparecimento de metade da população do universo), entre outros que não serão citados para não estragar a sua experiência no cinema.
Uma conexão inesperada e que já é “comum” em muitos filmes onde a cultura chinesa é retratada (inclua-se os filmes do gênero “kung fu”) são as cenas de luta extremamente coreografadas que contam com a óbvia habilidade do elenco e dublês, além do uso de efeitos práticos (cordas e cabos) e visuais. É praticamente impossível assistir a Shang-Chi sem ligá-lo ao Tigre e o Dragão (que conta no elenco com a atriz Michelle Yeoh, também presente neste filme da Marvel) e outras obras similares.
Nota final.
Com uma história relativamente simples, mas capaz de entreter e prender a atenção do espectador, Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis é mais um bom filme da Marvel, mesmo não sendo uma obra tão impactante quanto alguns de seus antecessores no MCU.
A combinação de ação e humor está muito bem dosada, além de ter uma direção competente que consegue captar o público e levá-lo durante toda a exibição do longa. É um filme agradável, fluído em quase sua totalidade e que trouxe novos elementos ao já grandioso MCU. Por tais atributos, claro que esta é mais uma obra da Disney/Marvel que merece ser prestigiado no cinema, mas também por se tratar de uma produção indicada para todas as idades.