Um Lugar Silencioso (A Quiet Place – 2018) é um filme que prometeu muito… e cumpriu. A fusão precisa do terror ao suspense, usar crianças como ferramenta para atingir o público, impor o medo pelo silêncio… enfim, são muitas as ferramentas que o diretor John Krasinski e os roteiristas Bryan Woods e Scott Beck se valeram para prender a atenção dos espectadores, criar um história convincente e, acima de tudo, coerente, ainda que estejamos falando de uma produção que envolve ficção científica, terror e ação.
Continue a leitura em silêncio absoluto. E prepare-se para spoilers!!!!
O Silêncio dos Inocentes.
A história não poderia ser melhor: uma família que busca a sobrevivência após um ataque alienígena que vitimou incontáveis pessoas. A destruição e o caos gerado impressionam e lembram cenas como as vistas no primeiro episódio de The Walking Dead e Guerra dos Mundos. Felizmente o filme não se sustenta apenas por referências ou similaridades. O longa tem vida própria e é uma pérola que surpreende não apenas pelo roteiro firme, mas também por atuações fortes, convincentes, locações bonitas e soluções que satisfazem o público.
Os invasores são seres praticamente blindados. Rápidos, letais e impiedosos. Ninguém (desde o bebê até o idoso) é poupado por eles. Sua principal ferramenta de caça é a audição. Através dela eles alcançam suas presas e seguem com a chacina. Ao longo de 87 dias (essa é a data após a invasão que nos foi informada), os sobreviventes aprenderam algumas peculiaridades sobre essas criaturas.
A primeira curiosidade está no fato de que os invasores realmente eles são cegos. Entretanto, assim como o Demolidor (o advogado Matt Murdock, da Marvel), eles têm um sonar que lhes permite ouvir a longas distâncias quase tudo. Isso gerou uma nova rotina para que a vida na terra seja preservada. Calçados? Nem pensar. O cuidado com tudo que se mexe é redobrado, isto porque um simples copo quebrado pode atrair os monstros de forma irreversível. As pessoas se comunicam por meio de libras (linguagem especial para surdos-mudos). Caminhos são “forrados” com areia. Tudo foi pensado para que as possibilidades de ataque sejam as mínimas.
O mal que espreita e caça.
Apesar de serem poucos numericamente, os monstros são praticamente invisíveis. Sua movimentação assusta pela agilidade e velocidade, verdadeiros Anjos da Morte que, honestamente, assustam mais do que o monstro de Alien, o 8º Passageiro.
Valendo-se das sombras, do terror e da força bruta, esses seres se tornaram os predadores definitivos. Não há nenhuma fraqueza desconhecida. A nós, humanos, resta a sobrevivência da mesma forma que um rato faz: escondendo-se.
Viver no subsolo, em porões ou outros esconderijos é a solução para aguardar que alguém ache uma forma de destruí-los. Enquanto isso, todo o jeito de viver teve que ser adaptado. Calçados são um pedido de morte, pois são barulhentos. Códigos precisaram ser criados para que a comunicação ganhasse efetividade. Tudo, absolutamente tudo, foi alterado para que o silêncio seja o máximo, enquanto sabemos que o mal permanece à espreita.
Coragem.
Esse é o diferencial em Um Lugar Silencioso. A escolha do elenco, o uso de crianças, a inclusão de uma menina realmente surda, a criação de aliens que nos parecem plausíveis… tudo isso dá ao longa um toque magistral. Outros elementos precisam ser citados e, entre eles, o mais corajoso foi termos boa parte do filme feito em quase absoluto silêncio. O uso da linguagem de libras é perfeitamente aceitável se lembrarmos que na família há uma surda. Logo, antes que critiquem, eles não aprenderam libras em 87 dias.
Uma perda irreparável ocorre logo no início do longa. Ela será o elemento condutor para a família, além de um fator desagregador, pois a mágoa (mesmo disfarçada) existe.
Terror, suspense… qual o gênero desse filme?
Esse é outro presente que o diretor e ator John Krasinski nos dá: um drama com toques de ficção científica, suspense, terror e thriller. Não há uma classificação específica para Um Lugar Silencioso, mas garanto que ele agradará fãs de diversos gêneros cinematográficos.
Edição de som.
O que esperar de um filme mudo? Certamente uma trilha sonora que conduza e incite o espectador a mergulhar na experiência. Isso acontece a todo momento na obra, porém a forma como editaram o som, o cuidado com a captação de sons externos e a inclusão de elementos musicais ou sonoros para amplificar o impacto do suspense e/ou do medo beirou a genialidade.
Atuações.
Desde o pequenino Cade Woodward é fácil perceber que estamos diante de um elenco diferenciado. Todas as atuações são lindas, realistas e marcantes. Emily Blunt (Evelyn) convence como a mãe protetora; John Kasinski (Lee) é um pai amoroso e disposto a tudo para manter os filhos longe do maligno universo das criaturas; Millicent Simmonds (Regan) é a jovem que quer ser útil, apesar de não poder ouvir; Noah Jupe (Marcus) é a típica criança diante do medo maior, sua reação é o encolhimento e a fuga.
Cada cena recebe um tratamento especial por parte da Diretora de Fotografia, Charlotte Bruus Christensen.
Conduzindo o espectador.
Um dos muitos atributos do longa. Conduzir o espectador é um dos triunfos do diretor e dos roteiristas. Pequenos detalhes ganham grande importância. Cenas que sabemos que acontecerão ganham ares de tragédia conforme elas demoram a acontecer. Torcemos para que a possibilidade de fuga da família se concretize. Enfim, torcemos, sofremos e acompanhamos as várias emoções misturadas que nos bombardeiam a todo instante. Queremos ficar em silêncio e colaborar com a família Abbott.
E um novo elemento é apresentado para enlouquecer o público: a mãe fica grávida. Cedo ou tarde o bebê virá à luz e, com ele, o inevitável e fatal som do choro. É nesse ponto que os aplausos ganham vulto, principalmente com a solução encontrada para tal dilema.
Nota Final.
A melhor surpresa dos últimos anos quando o assunto é suspense e terror! Não há outra forma de definir um longa-metragem que usou com competência e desenvoltura os elementos dos primórdios do cinema. Desde a composição da criatura até a última cena, tudo é feito para nutrir esperança, mesmo que o quadro geral seja do mais puro medo.
O cinema mudo voltou. E nós, sem sombra de dúvida, encontramos um lugar silencioso para contemplar essa retomada da arte em estado bruto.
Antes de encerrarem, vejam dois curtos making of com Emily Blunt e John Krasinski.
Espero que tenham gostado desse post. Deixem seus comentários, sugestões e críticas. Caso ainda não conheçam nosso trabalho na íntegra, temos nosso Instagram @classenerd e o canal youtube.com/classenerd. Muito mais publicações aguardam vocês por lá.